Até a Idade Média, a sociedade era dividida em castas. As pessoas tinham suas vidas determinadas quando nasciam através da classe socioeconômica, da família, dos papéis sociais. O grupo social em que o indivíduo estava inserido determinava a sua identidade, de modo geral, uma identidade estável e imutável. O indivíduo era um ser que adquiria sentido como parte de uma coletividade. Ou seja, se meu pai trabalha como padeiro, logo deverei seguir esse ofício desenvolvido por minha família. Valorizava-se a tradição herdada: o presente legitimava-se pelo passado, pela manutenção dos padrões tradicionais. A individualidade surgiu como fruto da dissolução dessa tradição.
O processo de individualização – a experiência de uma interioridade – foi incitado por várias transformações ocorridas a partir do século XVI, no Renascimento, entre elas: as navegações e a troca de saberes entre as culturas; o mercantilismo e o surgimento da competitividade, estimulado pelo comércio; a igreja e o processo de interiorização, em que o indivíduo torna-se único culpado por seus pecados; a ciência que colocou o homem no centro do universo.
No entanto, essas mudanças provocaram também uma crise subjetiva nas pessoas: as perdas de referência. O que antes era fornecido pelo coletivo, agora deveria ser buscado no indivíduo, deveria ser fruto de escolhas e não imposições da tradição. O processo de individualização intensifica-se na Modernidade no século XVII. A passagem do feudalismo para o capitalismo, a Revolução Francesa, a Revolução Industrial são alguns dos acontecimentos que permitem a consolidação dessas mudanças iniciadas no período renascentista, ou seja, o surgimento das individualidades.
Na Revolução Francesa, desenvolveram-se dois movimentos de grande importância. O Liberalismo, no século XVIII, com os seus ideais de liberdade, de igualdade e de fraternidade – somos todos iguais por direito, porém com interesses individuais – e o Romantismo, no século XIX, que reconheceu a diferença entre os indivíduos – somos diferentes, porém unidos por um ideal. O indivíduo torna-se independente e livre. Portanto, ele não precisa obrigatoriamente seguir os valores do grupo social a que pertence. Desta forma, a orientação para se viver não é buscada somente no plano coletivo, mas também na interioridade de cada um. O individualismo é produto de uma sociedade ocidental moderna, ou seja, uma invenção. A forma como percebemos e experienciamos a nossa existência no momento atual é fruto de diversos processos histórico-sociais ocorridos ao longo dos últimos séculos. Enfim, a nossa subjetividade se constitui não apenas no espaço privado de nossas famílias, mas no espaço público da história da sociedade.
Atualmente, o individualismo tem sido valorizado em nossa sociedade, porém também não garante a possibilidade de realizar escolhas de forma livre. Os processos histórico-sociais citados nesse texto de um certo modo continuam vigentes no cenário atual, não do mesmo que nos séculos passados, mas não foram totalmente superados. As tradições ainda se encontram entre nós, colonizando corpos e vidas.
Referência: FIGUEIREDO, Luís Cláudio Mendonça. A invenção do psicológico: quatro séculos de subjetivação, 1500-1900.